Por Samuel Feldberg
Israel os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein inauguraram uma nova era no Oriente Médio, e novos acordos certamente virão no futuro próximo. A maior importância é certamente simbólica, porque de facto boa parte das relações comerciais e estratégicas já existiam. Agora abre-se o leque e ampliam-se as possibilidades, como investimentos maciços das monarquias do Golfo em projetos de start-ups israelenses, os voos diretos sobrevoando o espaço aéreo da Arábia Saudita, encurtando o caminho para a Ásia, e acordos de grande envergadura como a possibilidade de construção de um oleoduto que transporte petróleo e gás da costa do Golfo Pérsico até Eilat, e de lá a Ashquelon (pelo oleoduto já existente) para abastecer a Europa.
A normalização não acontece em nenhum vácuo. É óbvia a relação com o Irã e a tentativa dos países conservadores da Península Arábica de formarem uma frente incluindo Israel, o Egito e os EUA para se oporem ao bloco xiita que inclui a Turquia e o Catar. A cereja do bolo seria o reconhecimento formal de Israel por parte da Arábia Saudita, mas para isso há ainda alguns obstáculos: o príncipe herdeiro ainda não tem a última palavra, e seu pai é de uma geração ainda influenciada pela velha guarda islâmica; a ”rua” saudita não é progressista e cosmopolita como nos Emirados e, portanto, a causa palestina ainda tem algum peso, ainda que simbólico.
Mas a importância de Israel como parceiro tecnológico, militar e econômico, e sua experiência no combate à ameaça iraniana, tanto sabotando o programa nuclear xiita quanto enfrentando a Guarda Revolucionária e seus aliados na Síria, representam trunfos atrativos demais para serem ignorados.
Outro elemento que continua gerando especulações refere-se ao fornecimento aos Emirados Árabes Unidos dos modernos jatos F-35 que já equipam a Força Aérea israelense. Há décadas que os Estados Unidos se comprometem em manter a vantagem qualitativa nos equipamentos fornecidos a Israel e, no passado, a tentativa de fornecer os aviões F-15 à Arábia Saudita produziu um amargo embate entre o Pentágono e o Senado, somente superado quando os sauditas aceitaram receber os aviões sem os tanques de combustível externos que aumentariam sua autonomia. Impressionante como evoluímos na visão dos principais desafios estratégicos para a região.
O mundo estava acostumado com a ideia de que os países árabes não reconheceriam Israel enquanto não houvesse paz entre Israel e os palestinos. Mas os líderes árabes, especialmente depois da traumática experiência da Primavera Árabe, chegaram à conclusão que os palestinos deixaram de ser um fator preponderante e que existem interesses mais importantes a serem defendidos. O Hamas e o Hizballah são hoje respaldados pelo Irã, a Turquia e o Catar, que se opõem aos novos aliados de Israel. E a Autoridade Palestina, esta sim, caiu num vácuo.
Não faltaram tentativas do líder palestino Mahmoud Abbas de se opor aos acordos e expressar sua indignação. Mas as manifestações organizadas por diversas facções palestinas foram um fiasco, juntando algumas poucas dezenas de pessoas, assim como o foi a tentativa da Autoridade Palestina de influenciar a Liga Árabe para condenar os acordos.
A única reação palestina que realmente se fez ouvir foram os foguetes lançados desde a Faixa de Gaza contra o sul de Israel, mas que rapidamente demonstraram se tratar de eventos à revelia do Hamas, e sem maiores consequências.
Não há dúvida que o timing para a assinatura dos acordos contém um elemento eleitoral. Trump tenta capitalizar algum feito importante de política externa e Netanyahu tenta desviar parte da atenção de seu processo criminal e das dificuldades do governo no combate à pandemia. Tanto que era exceção como chefe de estado, em um evento assistido pelos ministros de relações exteriores que assinaram o acordo.
E, finalmente, resta a questão da Cisjordânia. Assim como os palestinos, os colonos e os nacionalistas religiosos sentiram-se traídos; ninguém mais fala em anexar os assentamentos e o Vale do Jordão. Mas se Trump for reeleito e Netanyahu escapar da condenação, o tema certamente voltará à pauta.
Teremos um ano interessante pela frente.
Samuel Feldberg é doutor em Ciência Política pela USP, professor de Relações Internacionais e Pesquisador do Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv.